A Igreja tem espelhado os padrões da sociedade no que diz respeito à compreensão da mulher e de seu papel. Ainda encontramos locais onde tudo é fechado e proibido a ela, com base em geral num dogmatismo intolerante. No outro extremo, encontramos completa abertura quanto à posição e função da mulher no Corpo de Cristo, geralmente calcada em argumentos situacionais e pragmáticos.
Grandes denominações tradicionais (como Batista e Presbiteriana) e pentecostais históricas (Assembléia de Deus e Congregação Cristã) relutam em ceder à ordenação de mulheres ao pastorado. Tal linha de pensamento é normalmente denominada complementarista, sendo também aceitos os termos hierarquistas ou diferencialistas.[1]
Já outras denominações, embora também tradicionais (como Metodista e Luterana), vangloriam-se de ordenar mulheres ao ministério pastoral e presbiteral, seguindo os passos de carismáticos de vários matizes e horas (Evangelho Quadrangular, Renascer, Palavra da Fé). São os chamados igualitaristas, pois advogam plena igualdade.
O debate entre essas duas escolas de pensamento tem trazido mais calor que luz ao assunto. Os igualitaristas com freqüência recorrem a argumentos de cunho sócio-cultural, atribuindo à posição complementarista um conceito de superioridade masculina. Os complementaristas muitas vezes enfatizam as diferenças com base apenas na tradição ou nos costumes denominacionais, sem responder efetivamente ao desafio sócio-cultural que a questão apresenta para a Igreja contemporânea.
Embora a sensibilidade ao clima sócio-cultural de nossa época, área particularmente tão debatida na sociedade nas últimas décadas, seja uma virtude, é necessário buscar nas Escrituras a definição do papel honroso e importante concedido por Deus à mulher, de modo especial à mulher cristã.
Não se pode firmar posição sem algum trabalho histórico e exegético. Para isso, devemos empreender uma observação panorâmica da condição da mulher em diversas civilizações ao longo da história e examinar algumas passagens neotestamentárias, particularmente as paulinas. Paulo tem sido o bode expiatório numa espécie de diálogo de surdos sobre a posição e o papel da mulher. Ele precisa falar por si e por seu mundo, por assim dizer. Para isso, precisamos começar com um pouco de história.
1. A condição da mulher no oriente médio antigo
2. A condição da mulher na cultura grega
3. A condição da mulher na cultura romana
4. A condição da mulher no judaísmo
Uma teologia bíblica da mulher
No Antigo Testamento
Depois de uma visão rápida e geral da posição da mulher em diferentes culturas, é necessário voltarmos a atenção ao Antigo Testamento. Aqui se encontram os fundamentos para a correta compreensão do papel da mulher na Igreja.
A posição adotada quanto ao propósito divino para a mulher e ao valor que ela possuía na revelação dada a Moisés determinará, em grande medida, a perspectiva do intérprete das controvertidas passagens sobre a mulher no Novo Testamento.
O texto de Gênesis 1.26-28 ensina, entre outras coisas, que o conceito de Homem engloba a ideia de homem e mulher. A gramática do texto hebraico é surpreendente:
A alternância entre o sufixo pronominal objetivo direto singular e plural é quase tão intrigante quanto o uso do verbo no singular (criou) para um substantivo plural (Elohim). Ainda que estruturalmente distintos (homem e mulher), ambos eram Homem. Na verdade, a soma de ambos era Homem. A humanidade dependia de serem homem e mulher.
A mulher participava com o homem na constituição da imago Dei. Embora o significado da expressão imagem de Deus continue a ser debatida, certamente inclui a capacidade de relacionamento entre as três pessoas da Trindade. O reflexo de Deus no Homem precisava demonstrar essa categoria fundamental da natureza divina, daí a necessidade de um relacionamento pessoal íntimo, como o que seria mais tarde definido como “osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2.23).
A mulher participava com o homem na tarefa de sujeitar a terra. Novamente a gramática hebraica alterna pronomes singulares (“Domine ele sobre …” [Gn 1.26]) e pronomes plurais (“Dominem [eles] sobre os peixes do mar…” [Gn 1.28]). O domínio sobre a criação é elemento importante na imagem de Deus.
O homem foi estabelecido como regente de Deus, o primeiro exemplo de terceirização na história. Homem e mulher eram essenciais para essa tarefa, embora Gênesis não discrimine a parte que cabia a cada um deles. Naturalmente a sujeição da terra dependia de haver pessoas espalhadas por ela, e aí os papéis eram claramente definidos e a interdependência dos sexos, óbvia (argumento que defensores de estilos “alternativos” de relacionamento insistem, cegamente, em ignorar).
A narrativa mais relacional da criação do homem, em Gênesis 2.18-25, ilumina a complementação apenas sugerida em Gênesis 1. A mulher foi criada como “auxílio” para o homem. As traduções portuguesas não contribuem para uma percepção equilibrada dessa frase. Termos como “adjutora” e “auxiliadora” obscurecem o sentido do texto e sugerem uma subordinação essencial, que o texto original não indica.
Na verdade, o termo hebraico aqui usado (ezer) é um dos epítetos mais comuns para o próprio Yahweh, o Deus de Israel (cf. salmo 33.20).[21] Logo, a passagem naturalmente valoriza a mulher, em lugar de desmerecê-la. Ela é apresentada numa posição privilegiada, como agente de Deus na vida do homem.
A mulher foi criada para corresponder ao homem em seus aspectos fisiológico e psicológico. A expressão hebraica kenegdow (literalmente “como que diante dele”) enfatiza essa correspondência, que por sua vez é inserida, quanto à origem, num contexto de dependência (Eva foi tirada do lado de Adão). Tal conceito encontra equilíbrio no ensino de Paulo sobre a interdependência entre os sexos (1Co 11.11,12).
Esta passagem também contribui para entendermos a origem do conceito de autoridade no relacionamento homem-mulher. O fato de Adão ter designado o nome “genérico” de sua companheira já indica, a partir da criação, a idéia de hierarquia, fundamentada não em caráter valorativo, mas funcional, segundo o que Deus atribuiu a cada um dos cônjuges. A subordinação da mulher, portanto, não se iniciou com a Queda. Nesse momento, o que surgiu foi a competição pela autoridade, com a conseqüente desarmonia.
O nome dado à mulher, ishá, é uma paronomásia muito criativa, pois auditivamente sugere a idéia de derivação do homem (Heb., ish), e lexicamente aponta para a maior delicadeza estrutural da mulher, já que em termos léxicos a palavra é derivada da raiz hebraica anash, que indica fraqueza, fragilidade. Não seria de admirar se esta passagem estivesse na mente de Pedro ao escrever o texto de 1Pedro 3.7.
Vejamos outras passagens do Antigo Testamento que indicam tanto zelo quanto valorização da mulher.
Êxodo 21.7-11: indica que a mulher, mesmo na condição de escrava, tinha direitos inalienáveis que deveriam ser respeitados, caso contrário a Lei assegurava sua liberdade.[22]
Êxodo 22.22: aponta para a atenção que, idealmente, Israel deveria dispensar aos desvalidos da sociedade, viúvas e seus filhos. A profundidade dessa instrução se reflete em Tiago 1.27.
Deuteronômio 21.10-17: refere-se à proteção oferecida até mesmo à mulher cativa de guerra. Seus sentimentos deviam ser respeitados, assim como sua expressão de luto e sua individualidade. Ainda que derrotada na guerra, a dignidade humana proibia ao israelita cometer abusos de violência física e emocional a que outras nações submetiam seus cativos.
Deuteronômio 22.22-29: indica que a legislação israelita dava sempre o benefício da dúvida à mulher em situações que envolviam sexo ilícito. Este é o caso da “noiva”; sexo pré-conjugal podia acarretar o pagamento de uma compensação ao pai da noiva e um casamento sem possibilidade de divórcio (v. 28, 29) ou o simples pagamento de compensação dobrada, caso o pai julgasse inconveniente a união conjugal (v. Êx 22.16, 17).
Provérbios 5, 7: se essa passagem não for analisada e compreendida no contexto do movimento de sabedoria em Israel, pode apresentar uma visão erroneamente machista. A mulher ardilosa e adúltera aqui mencionada não tipifica a mulher em geral. Trata-se da corporificação da vida avessa a Deus, infiel ao padrão divino de vida significativa na comunidade da aliança. Embora seja um personagem real, não corresponde a um retrato 3×4 de todas as mulheres. No entanto, expõe o tremendo potencial da sexualidade feminina, que pode efetivamente dinamizar a vida do homem (cf. Pv 5.18, 19) ou destruí-la completamente (Pv 7.22-27).
Provérbios 31: também não pretende estereotipar a mulher. Seria injusto exigir aquele padrão de desempenho social de uma jovem mãe de três crianças na primeira infância. O que o texto retrata é a corporificação da sabedoria por meio da imagem da mulher madura, cujos filhos já são ouvidos na comunidade. A mulher que já exerceu seu tremendo papel de engenheira doméstica, facilitadora educacional, administradora e gerente de pessoal, consultora financeira, assistente social voluntária e motivadora do bem, e agora aumenta o patrimônio da família com sua criatividade e tino comercial. Não tenho dúvida de que algumas das prescrições de Paulo nas epístolas pastorais foram influenciadas pela eshet hail (“mulher de valor”) de Provérbios 31.
No Novo Testamento
A influência de Jesus
Os séculos que separam o fechamento do cânon do Antigo Testamento da abertura da história neotestamentária trouxeram a deterioração do relacionamento proposto por Deus para o homem e a mulher. Embora o último livro do cânon (ocidental) denuncie a facilitação do divórcio e a deslealdade machista contra as mulheres israelitas, ao tempo de Jesus os rabis justificavam o divórcio por trivialidades e simples razões estéticas.[23]
Não é propósito deste ensaio discutir o complexo tema do trato de Jesus com as mulheres. Algumas das indicações quase corriqueiras dos evangelhos sugerem que as condições de vida das mulheres de Israel no primeiro século da era cristã não eram tão adversas quanto faz supor a literatura feminista evangélica em sua ânsia por saudar Jesus como libertador.[24]
Embora Jesus não tenha alterado o aspecto doutrinário nem teológico da posição da mulher, não há como negar que ele alterou radicalmente o aspecto prático. A liberdade que Jesus concedia às mulheres e a misericórdia com que as tratava introduziu um conceito revolucionário de valorização da mulher.
Para o Mestre, homens e mulheres tinham os mesmos privilégios, embora preservasse claramente as diferenças implícitas em Gênesis e latentes na Lei quanto às esferas de atividade de cada sexo.
No aspecto geral, Jesus elevou a posição social da mulher ao restaurar o conceito original da indissolubilidade do casamento e ao receber mulheres entre os discípulos e ensiná-las diretamente. Jesus valorizou a capacidade intelectual e espiritual da mulher, sua capacidade de serviço e de empatia com os carentes.[25]
A influência de Paulo
O apóstolo Paulo tem sido chamado de misógino e filógino, acusado de machista e feminista, conforme a ênfase de seus comentaristas recaia sobre as passagens restritivas (1Co 14 e 1Tm 2) e subordinacionistas (Ef 5.22) ou sobre as liberativas (1Co 11 e Gl 3.28).
A proposta desta parte do ensaio é indicar áreas em que complementaristas precisam responder exegeticamente aos argumentos dos igualitaristas. Destacarei, para tanto, pontos específicos em que estes últimos laboram em erro e as linhas básicas das respostas necessárias quando se discutem a posição e a função da mulher no lar, na Igreja e na sociedade.
O texto de 1Coríntios 7, tão debatido quando o tema é divórcio, traz importantes ensinamentos para compor uma teologia bíblica da mulher:
- O casamento não é intrinsecamente mau, e por isso não precisa ser evitado (v. 1, 2). Paulo queria corrigir o “efeito pendular” em Corinto. Alguns, por terem apresentado uma vida sexualmente desregrada antes da conversão, pensavam agora compensar adotando uma atitude de completa abstinência. Outros, talvez influenciados por um gnosticismo ascético incipiente, pregavam completa abstinência dentro do casamento. Tais idéias eram geralmente acompanhadas da depreciação da mulher, particularmente da sexualidade feminina, encarada incompatível com a espiritualidade cristã.
O tom de concessão que Paulo usa nestes dois versículos não deve ser entendido como depreciação do casamento, especialmente pelo fato de não dispormos da pergunta que originou a resposta. Alguns estudiosos pensam estar relacionado com pessoas (e casais) que desejavam dedicar-se ao ministério, o que conferiria outro tom às palavras de Paulo.
- Há uma igualdade intrínseca no relacionamento matrimonial, tanto em direitos quanto em posse mútua (vv. 3-5). É notável que Paulo inicie sua exortação pelos maridos, exigindo deles que supram as esposas do que elas têm direito no contexto do relacionamento físico no casamento. Numa sociedade greco-romana na qual a mulher era dominada pelo marido ou se tornava libertina, a exigência inicial aos maridos era sobremodo notável.
- Não há nenhuma concessão a relações extraconjugais (v. 9). Paulo revela mais uma vez que a ética conjugal cristã (e, por inferência, a visão cristã da mulher) estava muito acima do praticado (ou na melhor das hipóteses tolerado) por gregos e romanos.
- A indissolubilidade do casamento é um ideal a preservar (vv. 10-16). Para evitar uma caixa de Pandora teológica, basta enunciar aqui algumas propostas: separação implica celibato ou reconciliação; casamentos “mistos” (i.e., em que apenas um dos cônjuges se convertera ao cristianismo) não oferecem motivo para o crente buscar o divórcio; a insistência do cônjuge descrente liberta o cônjuge crente de viver com ele(a), mas não para recasar (interpretando de maneira mais aberta o termo chorizestai, e de maneira mais fechada o termo dedoulotai, em 1Co 7.15).
- O celibato traz certas vantagens (vv. 26-40). Uma vez mais, esta parte do capítulo parece sugerir que as preocupações dos coríntios estavam relacionadas ao ministério. Nesse contexto, o celibato oferece as seguintes vantagens sobre o casamento: (a) maior entrega ao serviço; (b) menos pressões em dificuldades; e (c) melhor proveito do pouco tempo.
O texto de 1Coríntios 11 é também bastante controvertido. É preciso reconhecer que Paulo invoca a tradição apostólica, uma esfera de atuação que não se limita ao transitório, acessório e cultural, mas ao permanente, essencial e teológico (cf. o uso do substantivo paradosis e do verbo paradidomi em 1Co 11.23, quanto à Ceia, em 1Co 15.3, com referência ao evangelho, e 2Ts 2.15, sobre a segunda vinda). Se não nos ativermos a esse fato, ficaremos à mercê das opiniões individuais quanto ao que Paulo apresenta nesta passagem. Em linhas gerais, podemos observar que:
- O caráter excepcional da passagem exige uma comparação honesta com 1Coríntios 14 e 1Timóteo 2, sem rebaixar qualquer delas ao nível de sub-inspiração e sem recorrer a definições seletivas de termos.
- O fato de Paulo ocasionalmente se valer de uma pedagogia que aceita por algum tempo posições erradas para futura correção não é cabível no caso de 1Coríntios 11 e 14, devido à grande distância entre os dois contextos.
- O que a passagem considera não é o valor relativo do homem e da mulher, mas a hierarquia funcional estabelecida na Criação, confirmada na missão messiânica de Jesus (v. 3), e que deve ser continuada na assembléia cristã. Os argumentos de Paulo para o uso do véu não são culturais, mas são argumentos teológicos que procedem da revelação especial (aqui o relato da criação em Gênesis 1) e da revelação geral (o que Paulo diz ser percebido na própria natureza, v. 14). Assim, creio que o ônus de prova recai sobre quem tenta justificar a ausência do véu em nossos dias em termos meramente culturais.
- A questão por trás dos argumentos era a postura arrogante, independente e insubmissa de algumas mulheres no culto público. Paulo permite o uso do dom mediante o uso do véu, símbolo que expressa submissão interior à corrente de comando estabelecida por Deus.[26]
No texto de 1Coríntios 14.33, 34, a ênfase recai sobre costumes estabelecidos em todas as igrejas dos santos, certamente determinados por seus fundadores apostólicos. Se o padrão refletia o da sinagoga, isto não é demérito da Igreja, e sim mérito para a sinagoga.
- A exigência para que as mulheres fiquem em silêncio (oigao). Tendo em vista a permissão do capítulo 11, o verbo lalein deve significar algo mais que, ou diferente de, orar ou profetizar. Parece-me que tanto o modelo de pregação adotado por Paulo, descrito pelo verbo dialegomai (cf. At 20.7), quanto a sugestão de que os profetas fossem avaliados pelos irmãos estavam sendo mal usados em Corinto. Lá, durante o culto, as mulheres argüiam indiscriminada e ostensivamente os profetas (cf. v. 35 e 1Tm 2.11,12). Segundo Paulo, ao exibir sua “independência”, a mulher cometia ato vergonhoso (aischron), depreciando o valor intrínseco de sua feminilidade. Elas próprias acabavam por diminuir seu valor extrínseco.
Como interpretar o texto de 1Timóteo 2.9-15
- O recato no vestir é condição sine qua non para o ministério da mulher crente (cf. o uso do advérbio osautos, que aponta para uma identidade de conceitos entre este parágrafo e o anterior). O verdadeiro adorno de uma mulher ou jovem solteira é sua atitude de serviço e obediência.
- O uso da palavra katastole sugere que algumas mulheres em Éfeso adotavam padrões comuns às mulheres romanas, mais “liberadas”. Talvez até se tratasse de padrões adotados pelas famosas hetairai, os quais estavam sendo introduzidos na igreja por meio da sensualidade e da independência acintosa daquelas mulheres. A ênfase da passagem está no bom gosto e no bom senso (kosmos).
- O que Paulo exige das mulheres neste texto difere do apresentado em 1Coríntios 14. Aqui ele não exige silêncio, mas tranquilidade, mansidão ou quietude (hesuchia, v. 11). O discutido verbo authentein não pode ser usado como justificativa para afirmar que o que Paulo proíbe é apenas o ensino autoritário, dominador das mulheres. A idéia real do verbo é exercer autoridade de qualquer tipo.[27]
- Nos versículos 13 e 14, o silêncio pedagógico imposto à mulher se deve à prioridade na criação e à falta de fidedignidade histórica da mulher como guia espiritual. À luz dessas considerações, o versículo 15 não se refere à salvação no sentido soteriológico eterno. A mulher será libertada desse incômodo status causado pela ação de Eva no Éden ao demonstrar ser um guia espiritual digno de confiança dentro dos limites prioritariamente domésticos que lhe foram estabelecidos por Deus. Gerar filhos e educá-los de modo que eles permaneçam no caminho do Senhor qualificaria publicamente uma mulher como “mestra do bem” (cf. Tt 2.3).[28]
Há três interpretações possíveis para o termo grego gunaikas em 1Timóteo 3.11:
1- Alguns afirmam que o termo se refere a esposas de diáconos sob as seguintes alegações:
- gune é o termo normal para “esposa” no Novo Testamento;
- as mulheres de que fala a passagem estão diretamente relacionadas aos diáconos;
- o tipo de ministério diaconal permite sua menção, em contraste com os presbíteros, cujas esposas não poderiam partilhar seu ministério.
2- Outros preferem ver aqui uma referência às diaconisas, sob as seguintes alegações:
- a conjunção wJsauvtw~ indica uma terceira classe de obreiros;
- Febe foi chamada de “diaconisa” em Romanos 16.1;
- a palavra gunhv é um termo geral para “mulher”; não se limitava a esposas;
- documentos do século iii indicam que a função de diaconisa foi instituída, eventualmente, pelas igrejas cristãs, talvez por volta do século ii.[29]
3- Uma terceira opinião é que o texto se refere a assistentes não-casadas (viúvas ou virgens) dos diáconos. Vejamos as argumentações:
- a relação descrita é de trabalho, não de casamento, pois logo depois é mencionado o status conjugal exigido dos diáconos;
- a ausência de pronomes possessivos sugere que as “mulheres” não estavam relacionadas aos diáconos;
- não há qualificações familiares, supostamente necessárias para o caso de Paulo introduzir um terceiro nível de ministério;
- o mais lógico, no caso de Paulo especificar outro nível de ministério, seria antes finalizar os requisitos para o diaconato masculino;
- historiadores sugerem que apenas solteiras e viúvas eram “diaconisas”.
A meu ver, o que começou como um ministério destinado a viúvas foi depois estendido às virgens, e em tempos modernos englobou mulheres casadas. Historicamente essas “mulheres” serviam aos desvalidos pela sorte, aos enfermos, ajudavam na preparação das mulheres para o batismo cristão e no discipulado de mulheres em famílias pagãs, onde a presença de homens seria vista com grande suspeita.[30] Pessoalmente, não vejo problema no uso do termo diaconisa, mas prefiro a terceira alternativa.
O texto de Gálatas 3.28 é fundamental para o movimento feminista “evangélico”, para os que defendem um ponto de vista igualitário no ministério. O argumento é que a redenção em Cristo aboliu todas as barreiras e distinções causadas pela Queda. Infelizmente, complementaristas desavisados têm respondido a esse argumento de maneira às vezes agressiva e às vezes simplista. O que os complementaristas precisam fazer para responder adequadamente a tais propostas teológico-sociológicas?
Indicar os problemas da abordagem feminista:
- em primeiro lugar, é preciso levar em igual conta as passagens que ensinam alguma medida de subordinação. Infelizmente, as “feministas”, como Mickelsen, Scanzoni, Schroeder entre outras, sugerem que Paulo se contradiz ou que as passagens subordinacionistas não são de Paulo, o que revela o problema teológico de uma sub-inspiração para partes do cânon;
- em segundo lugar, é preciso entender que o verbo usado por Paulo quando se refere a mulheres e maridos (hupotasso) indica realmente subordinação, e não simples “ordem”, como exige o feminismo, o que revela um problema de exegese tendenciosa, ou eisegese;
- em terceiro lugar, é preciso destacar que em nenhuma das passagens relacionadas à subordinação Paulo usa argumentos de natureza cultural. Todos são teológicos e todos se baseiam na ordem e hierarquia da Criação, não da Queda.
Indicar os conflitos sociais que tal abordagem traria: exigência de extinguir níveis sociais e de instaurar a anarquia civil.
Indicar uma alternativa bíblica:
- a igualdade ontológica (expressa nos termos usados, “macho” e “fêmea”, e não “homem” e “mulher”) não elimina a hierarquia social-funcional (para a qual há um paralelo na própria doutrina da Trindade);
- o que a Queda nos tirou não foi a igualdade absoluta entre homem e mulher, mas a harmonia na hierarquia que Deus instituíra na criação. As palavras de Deus a Eva em Gênesis 3.16 sugerem que o desejo da mulher seria “contra” o marido, e não “para” (cf. Gn 4.7; verificar a tradução da nvi e a nota de rodapé para esta passagem). O que Cristo restaurou foi a ausência de competição no relacionamento, quer em termos de casal, quer em termos de comunidade.
Vejamos, ainda, a título de conclusão algumas passagens ocasionais. Em Romanos 16 e em Filipenses 4, Paulo menciona mulheres que trabalharam a seu lado em prol da causa cristã. Febe é o ícone especial das feministas, por ser supostamente chamada de “diaconisa”. No entanto, o texto de Romanos 16.1 diz apenas que ela uma serva na igreja em Cencréia. [31]
Júnias, que é chamada de notável entre os apóstolos (Rm 16.7), poderia na verdade ser o Junias, dada a natureza ambígua dos nomes latinos terminados em -as. Mesmo que se trate de mulher, a expressão não descreve necessariamente um membro da companhia apostólica, mas apenas pessoas importantes aos olhos dos apóstolos.[32]
As demais mulheres claramente ocupam lugar de destaque, mas não recebem nenhuma indicação de posição pastoral ou presbiteral. Somente as lentes exegéticas das feministas determinam o que elas encontram em tais passagens.
Em Filipenses 4, Evódia e Síntique trabalharam com Paulo e são, por isso, dignas de atenção e deferência não só por parte do apóstolo, mas de seu “companheiro de jugo”. Este provavelmente ministrava em Filipos numa posição em que poderia, ao mesmo tempo, corrigir e encorajar as duas irmãs.
Conclusão
O Novo Testamento indica que a mulher desfruta dos mesmos privilégios espirituais que o homem, mas com responsabilidades diferentes. A mulher deve submissão ao homem em duas esferas específicas: paternal e matrimonial. Essa submissão deve refletir-se em sua principal esfera de atividade: o lar, onde ela pode e deve buscar sua maior realização.
A solteira desfruta de maior liberdade, mas é igualmente responsável por demonstrar uma atitude de submissão. O texto de 1Timóteo 2.10 exorta as solteiras a se dedicarem ao ministério assistencial.
O ministério da mulher como mestra na igreja é extremamente importante. Gerações de crentes têm desperdiçado seu potencial de discipulado e preparação de novas mestras do bem. Nossas igrejas locais têm sido prejudicadas por tal negligência, que considera inferior a quem Deus concede honra.
Seminários muitas vezes têm contribuído para acentuar essa negligência, priorizando o acadêmico em detrimento do pessoal, do cultivo de um espírito manso e tranqüilo (por favor, não releiam Pedro para entender “vaquinhas de presépio”), e de um anseio por valorizar o discipulado e o aprendizado, a mentoria de outras mulheres mais jovens.
Maridos crentes têm incentivado essa revolta latente contra os princípios bíblicos por fugirem de assumir sua responsabilidade de liderança da igreja local, lançando-a sobre os ombros de suas esposas e de mulheres solteiras. Quão melhor fazer da parceria marido-esposa, noivo-noiva, namorado-namorada o modelo para a educação cristã em nossas igrejas.
O verdadeiro complementarismo, embasado numa teologia bíblica da mulher, oferece à igreja do século xxi um desafio que, se aceito em fé esclarecida pela exegese (não pela cultura), dinamizará relacionamentos e mudará a face de nossas comunidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário