O REINO
A palavra grega basileia, usada nos evangelhos para “reino”, e as
palavras correspondentes no hebraico e aramaico, tais como Malkuth e
Memlakhah, como muitas outras palavras em nossa língua, podem designar o
mesmo conceito de dois pontos de vista distintos.
Elas podem indicar o reino
como algo abstrato, o reinado ou governo exercido pelo rei. Podem, também,
descrever o reino como algo concreto, o território, a soma total dos súditos e
possessões sobre os quais se reina, incluindo quaisquer direitos, privilégios e
vantagens que são desfrutados nessa esfera.
Agora, surge a questão: em que
sentido nosso Senhor falou do “Reino de Deus"?
No Antigo Testamento, em
que um Reino é atribuído a Jeová, o sentido abstrato é o que prevalece, com a
exceção de Ex 19.6, onde os israelitas são chamados de “um reino de
sacerdotes” e, portanto, o sentido é concreto, o de um corpo de súditos que
são governados. O Reino de Deus é sempre seu reinado, seu governo, nunca
seu domínio geográfico. Quando Obadias prediz que “o Reino será do
Senhor”, o sentido é que no futuro a supremacia pertencerá a Jeová. A
maneira em que a supremacia de Israel sobre as nações é associada com a idéia
de reino revela que esse era também o uso judaico comum no tempo do nosso
Senhor.
Por outro lado, o conceito de que Deus governaria era para Jesus um
pensamento glorioso que enchia sua alma com o gozo mais sagrado. Sendo
assim, sem dúvida, é correta a sugestão de escritores modernos que, ao
interpretarem os dizeres do nosso Senhor, mostram que o significado de
“reino” e “reinado” deve ser o nosso ponto de partida, salvaguardando contra
associações enganosas da palavra “reino” que, em uso moderno, praticamente
sempre significa o território ou área geográfica.
Jesus introduziu ao uso corrente da frase. Se para ele esta
abrangia todos os privilégios e bênçãos que fluem do Reino vindouro de
Deus, então é evidente o quão inevitável ela tenderia a se tornar, em sua fala,
uma designação concreta. Significando, primeiramente, “um governo”, o
termo passaria a significar, se não um território ou corpo de súditos, pelo
menos um domínio, uma esfera da vida, um estado das coisas, todos estes concebidos mais ou menos localmente.
Certamente, embora permaneça a
conotação de que o Reino entendido dessa forma é possuído e, portanto,
permeado por Deus, a tradução abstrata “reinado de Deus” não mais poderia
ser aplicada. De fato, apenas uma rápida observação dos discursos do
evangelho revela o quão absolutamente impossível é usar exclusivamente a
tradução abstrata em cada exemplo em que o nosso Senhor fala do Reino de
Deus.
Apresentada resumidamente:
A questão assume a seguinte forma: em
alguns exemplos a tradução “reinado” é requerida pela conexão, como quando
é dito “o Filho do Homem virá em seu Reino”. Em outros casos, menos raros
que o anterior, é possível, ou talvez um pouco mais plausível, adotar a
tradução abstrata, como quando lê-se do Reino “vindo”, “surgindo”, “estando
próximo”, “sendo visto”, apesar de que nestes e em outros exemplos ninguém
pode sustentar que a substituição do concreto tornaria o sentido artificial.
Ainda que nenhum dos sentidos seja inadequado, pode-se nesses casos, por
razões gerais, inclinar-se a acreditar que a idéia da revelação do poder de Deus
como rei ocupa o lugar central na mente do nosso Senhor.
Mas há um grande
número de passagens, talvez a maioria, em que o tom do concreto claramente
predomina.
Quando a figura é de “chamado” para o Reino de Deus, de
“entrada” nele, deste ser “fechado” ou de pessoas serem “expulsas”, de ser
“buscado”, “dado”, “possuído”, “recebido”, “herdado”, todos sentem que tais
formas de falar não são o exercício do governo divino em si mesmo, mas a
ordem das coisas resultantes, o complexo de bênçãos que este produz, a esfera
em que trabalha, que se ergue diante da mente daquele que fala.
. Levando isso
em consideração, podemos afirmar que se basileia for traduzida em todo lugar
pela mesma palavra, essa palavra deve ser “reino”.
Traduzir e introduzir uma
distinção entre “reino”, em alguns casos, e “reinado”, em outros, é
obviamente impraticável porque, como foi afirmado anteriormente, em
muitos casos não temos fatos que nos ajudem a escolher entre os dois.
No caso
de Deus, portanto, não se pode dizer que sua soberania tenha “vindo”. O
basileia divino inclui como já vimos, além do direito de governar, o verdadeiro
e enérgico estabelecimento do real poder de Deus nos atos de salvação.
observação :
" Soberania denota uma relação de
existência por direito, mesmo onde esta não é, na verdade, imposta."
Ainda menos satisfatória é a recente proposta de traduzir em todos os
casos como “a soberania de Deus”, pois não apenas essa prática é inadequada
para todos os dizeres em que o uso concreto do termo é sem dúvida presente,
como também falha em expressar o sentido abstrato de forma completa e
acurada nos casos em que é reconhecido.
Além do “Reino de Deus”, encontramos “o Reino dos céus”.
O
evangelista Mateus usa esta expressão quase exclusivamente.
Somente em
6.33; 12.28; 13.43; 21.31,43; 26.29 ele escreve “o Reino de Deus” ou “o Reino
de meu Pai” (ou “seu Pai”),
Reino dos céus” ocorre mais de
trinta vezes em seu evangelho.
Em 12.28 o uso de “Deus” ao invés de “céus” explica-se pela expressão precedente “Espírito de Deus”; não há razões
aparentes para a substituição nos outros dois exemplos no capítulo 21.
Em
Marcos e Lucas a expressão “Reino dos céus” não é encontrada. Esse fato
levanta a questão de qual dessas duas versões reproduz o uso de Jesus mais
literalmente.
Todas as probabilidades apontam para Mateus, uma vez que não
existe uma boa razão de porque ele substituiria “o Reino dos céus”, enquanto
que uma razão suficientemente plausível para o procedimento oposto por
parte de Marcos e Lucas pode ser encontrada no fato de que, escrevendo para
leitores gentios, eles poderiam ter pensado que uma frase tão tipicamente
judaica quanto “o Reino dos céus” seria menos inteligível do que
simplesmente “Reino de Deus”.
É claro que, afirmando isso, não implicamos
que, em cada caso individual em que o primeiro evangelista escreve “Reino
dos céus”, essa frase tenha sido na verdade pronunciada por Jesus.
Tudo que
intentamos afirmar é a proposição geral que Jesus usou ambas as frases e que
Mateus preservou para nós um item de informação que não se obtém dos
outros dois evangelhos sinópticos.
Mas, qual é a origem e o sentido dessa frase “o Reino dos céus” e que
luz esta traz ao conceito de Reino do nosso Senhor?
No judaísmo antigo
existia uma tendência de se evitar o uso do nome de Deus. Vários substitutos
eram correntes e “céus” era um deles. Além dessa frase em discussão, traços
desse discurso são encontrados em Mt 16.19; Mc 11.30; Lc 15.18,21. Essa foi
uma forma de discurso que havia surgido do hábito judaico de enfatizar na
natureza de Deus sua exaltação sobre o mundo e sua majestade inatingível
mais do que qualquer outra coisa, até ao ponto de colocar em perigo o que
deve sempre ser a essência da religião, uma verdadeira comunhão entre Deus
e o homem. Mas esse hábito, apesar de exponencial de uma falta característica
do judaísmo, também teve seu lado positivo, senão o Senhor não o haveria
adotado.
Em sua natureza humana, Jesus tinha um senso profundo da infinita
distância entre Deus e a criatura. O que havia de genuíno temor religioso e
reverência a Deus na consciência judaica despertou um eco em seu coração e
encontrou nele a sua expressão ideal, desaparecendo toda a unilateralidade que
o judaísmo havia agregado. Portanto, se Jesus falou de Deus utilizando o
termo “céus” isso não surgiu de um medo supersticioso de nomear Deus, mas
de um desejo de nomeá-lo de tal forma a evocar a mais exaltada concepção de
seu caráter e ser. Para tanto, a palavra “céus” era eminentemente adequada
uma vez que cativa os pensamentos do homem para o lugar onde Deus revela
sua glória e perfeição.
Isso pode ser observado melhor em outra frase que, igualmente, apenas
Mateus preservou entre os evangelistas, e que nosso Senhor tinha em comum
com os mestres judaicos daquela época: a expressão “Pai nos céus” ou “Pai
celestial”. Se nessas frases o nome “Pai” expressa o condescendente amor e
graça de Deus e sua infinita proximidade de nós, o qualificativo “nos céus”
adiciona ao restante sua infinita majestade sobre nós, pela qual o padrão deve ser sempre mantido em equilíbrio para que não prejudiquemos o verdadeiro
espírito de religião. Pode-se afirmar, portanto, que ao se referir ao “Reino dos
céus”, Jesus procurava usar essa expressão em um sentido que não era em
nada diferente de “Reino de Deus” exceto por uma adicional nota de ênfase à
natureza exaltada daquele a quem esse Reino pertence.
A palavra “céus”, entretanto, apesar de primariamente qualificar a Deus
e descrever a sua grandeza, não a do Reino, deve também ter sido utilizada
por nosso Senhor com o intuito de dar cor a este conceito.
Se o rei é alguém
que concentra toda a glória do céu em si mesmo, como deve ser seu Reino?
Não iremos tão longe ao ponto de dizer, erroneamente, que Jesus desejou
despertar em seus discípulos um sentido do misterioso caráter sobrenatural,
de absoluta perfeição e magnificência, do valor supremo pertencente a essa
nova ordem das coisas e que desejava que eles vissem e abordassem a questão
em um espírito que apreciasse essas qualidades santas.
Apesar da frase “Reino
dos céus” não se achar no Antigo Testamento, a palavra “céus” já aparece em
associação significativa com a idéia do Reino futuro.
Em Daniel lemos que “o
Deus dos céus” estabelecerá um Reino e isso significa que o novo Reino se
originará, de uma maneira sobrenatural, do mundo espiritual.
Para Jesus,
“céus” e o sobrenatural eram idéias cognatas (Mt 16.17; Mc 11.30). O fato de
que, na mente de Jesus, a idéia de absoluta perfeição do mundo celestial como
determinador do caráter do Reino pode muito bem ter sido associada com a
frase “Reino dos céus”, aparece na conexão íntima entre a segunda e a terceira
petição no Pai Nosso: “Venha o teu Reino; faça-se a tua vontade assim na
terra como no céu” (cf. Mt 5.48).
Podemos nos referir a palavras como as de
Mt 5.12; 6.20 para indicar a idéia dos “céus” como a esfera de supremos
valores imutáveis e o objetivo que devemos aspirar.
Tendo em vista o
profundo significado que Jesus atribuiu ao contraste entre os mundos celeste e
terreno, é bem improvável que “céu”, para ele, era um mero rodeio formal de
palavras para Deus.
O termo não significava Deus em geral, mas Deus como
conhecido e revelado naquelas regiões celestiais onde havia sido a eterna
morada do nosso Senhor. Somente com isso em mente podemos ter
esperança de entender algo do sentido profundo pelo qual ele chamou o
Reino de “Reino dos céus”.
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos..." ( Atos 2:42) Esta primeira característica é surpreendente e não muitas congregaçõesa teriam em conta hoje. A igreja viva é uma igreja que está aprendendo, uma comunidade que estuda. A plenitude do Espírito Santo é incompatível com o antiintelectualismo. O Espírito de Deus é Espírito de verdade. Esse foi um dos títulos que Jesus mesmo deu ao Espírito. Se quisermos estar cheios do Espírito, sua verdade será importante para nós.
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